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outubro/2016 | Publicado por: Sergio Barroso de Mello

A responsabilidade Civil e o seu Seguro

  1. Introdução

A responsabilidade civil é um dos tópicos da ciência jurídica que maior evolução tem apresentado nos últimos tempos. Esse é um registro histórico que a ninguém surpreenderia, porque guarda plena correspondência com dois fatos sociais que atuam como motivadores do desenvolvimento ora comentado: identifico em um primeiro plano a consciência cidadã a cerca da existência de seus direitos e das tutelas oferecidas para sua proteção, e, em uma segunda perspectiva, a incidência da ciência e da tecnologia na vida do mundo moderno, que consigo trouxe como paradoxo, dada a massificação do uso das forças e energia, maiores riscos e perigos para a comunidade.

 

Cada vez mais nos deparamos com situações corriqueiras em nossas vidas que, em tempos anteriores, jamais poderiam gerar dívidas tendo como fundamento a responsabilidade civil. A atividade seguradora, ao perceber esse fenômeno social, respaldada pelo arcabouço jurídico, apresentou significativa evolução em suas coberturas, tanto do ponto de vista qualitativo quanto quantitativo.

 

Pela relevância do tema, torna-se conveniente o exame mais detalhado do fenômeno que cerca a responsabilidade civil e o seu seguro.

 

  1. Conceito legal de responsabilidade civil

 

Responsabilidade é um dever jurídico consequente à violação da obrigação. É o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de outro dever jurídico.

 

Por outro lado, só se cogita da responsabilidade civil onde houver violação de um dever jurídico e dano. No dizer de Maria Helena Diniz1:

 

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.

 

O Código Civil traz atualmente o conceito de responsabilidade civil ligado ao denominado

ato ilícito e a sua reparação. Nas exatas palavras de Carlos Roberto Gonçalves2,“o art. 186 do Código Civil consagra uma regra universalmente aceita: a de que todo aquele que causa dano a outrem é obrigado a repará-lo.” A leitura do referido dispositivo, em conjunto com o artigo 927, do mesmo diploma legal, nos dá a exata noção da responsabilidade civil aquiliana, senão, vejamos:

 

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

 

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, é obrigado a repará-lo.” (n.g.)

 

A conclusão imediata a que se chega é a de que toda conduta humana que, violando dever jurídico originário (ato ilícito), causa prejuízo a outrem é fonte geradora de responsabilidade civil.

  1. Qualificação legal do seguro de responsabilidade civil

 

O seguro de responsabilidade civil é um contrato em virtude do qual o segurador se obriga, por conta do pagamento do prêmio, a evitar que o segurado sofra um dano patrimonial em consequência do exercício, por parte de terceiros, de reclamações cobertas no contrato de seguro de responsabilidade civil.3

 

Essa modalidade de seguro se tornou tão relevante que o legislador preferiu conceituá-la expressamente, o que fez por meio do artigo 787, do Código Civil, assim redigido:

 

“Art. 787. No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro.”

 

O seguro de responsabilidade civil, nas corretas palavras de Rui Stoco4, tem as características e atributos de um contrato condicional e aleatório, de forma que o objeto da garantia será sempre uma responsabilidade.

 

  1. Influência da evolução da RC sobre o seguro de RC

 

A evolução experimentada pelo direito no campo da responsabilidade civil tem produzido influência decisiva no seguro de responsabilidade civil. O fenômeno se verifica pela consolidação desse ramo da atividade seguradora, quantitativa e qualitativamente.

 

No campo quantitativo, determinou considerável expansão do seguro de RC (obrigatórios e facultativos) e, do ponto de vista qualitativo, deu lugar a certas mudanças em suas cláusulas e condições, além do surgimento de inúmeras modalidades.

 

Dentre as mais tradicionais se encontram as seguintes:

 

  • Responsabilidade Civil Facultativa de Veículos – RCF-V;
  • Responsabilidade Civil Geral – RCG;
  • Responsabilidade Civil Profissional (Médicos, Advogados, etc.);
  • Responsabilidade Civil Ambiental;5
  • Responsabilidade Civil do Fabricante;
  • Responsabilidade de Diretores e Gerentes – D & O;

 

  1. Diminuição do espectro fortuito e da força maior pelas inovações tecnológicas

 

É sabido que o mundo moderno trouxe enorme vantagem ao homem comum com as mudanças tecnológicas e o domínio do processo de informação cibernética.

 

Esse processo se alavancou muito fortemente ao largo dos últimos cinquenta anos e produziu elevados índices de desenvolvimento humano e empresarial, justo por sua contribuição à medicina e à engenharia, por exemplo.

 

Pois bem, tais inovações, cada dia mais velozes e próximas da perfeição técnica, também contribuíram para a sensível diminuição das naturais dificuldades de previsão de dados e informações antes não conhecidas. Exemplo significativo, por muitos, é a área meteorológica, cada vez mais precisa nas previsões climáticas, de forma que muito têm contribuído para evitar perdas humanas e patrimoniais.

 

O mesmo ocorre em outros setores, como a área industrial, que hoje opera com mais segurança tecnológica, capaz de permitir maior conhecimento do risco e consequente gestão de suas consequências. Tudo isso leva ao raciocínio lógico de que a força maior ou o caso fortuito não podem mais ser invocados como excludentes de responsabilidade de forma tão clássica e ortodoxa como se fazia há alguns anos no direito brasileiro, inegavelmente, o aumento do domínio tecnológico provocou a diminuição do risco e, por consequência, tal fato precisa ser considerado quando examinada a responsabilidade daquele que deverá indenizar o dano provocado a terceiro.

 

  1. O dano no seguro de responsabilidade civil

 

O seguro de responsabilidade civil, por sua própria localização na estrutura conceitual do Código Civil, se configura como seguro de dano, já que se inclui no Título VI, Capítulo XV, Seção II da referida norma.

 

O segurado pretende efetivamente proteger-se de uma ameaça ou consequência desfavorável a seu patrimônio, entendido esse em sua totalidade, decorrente de ato por ele praticado, sem dolo. Por esta razão, o seguro de responsabilidade civil protege o segurado contra a ameaça de diminuição de seu patrimônio, justo pelo nascimento de uma dívida de responsabilidade na qual tenha incorrido.

 

O dano no seguro de responsabilidade civil, portanto, está representado pelo nascimento da dívida de responsabilidade civil a cargo do segurado. É o dano que o segurado sofre em decorrência do descumprimento de sua responsabilidade, contratual ou extracontratual, para com terceiros, capaz de ocasionar ato ilícito.

 

Portanto, no seguro de responsabilidade civil, o dano consiste no gravame patrimonial que se produz pelo mero nascimento da dívida de responsabilidade civil.

 

  1. A evitabilidade do dano ao segurado por meio do seguro de RC

 

Quando se pretende proteger os bens materiais por meio do seguro de dano tradicional, essa proteção consistirá em proporcionar ao prejudicado (segurado) uma indenização, diante da ocorrência do dano. Se, ao contrário, por meio de um seguro, se procura proteger o segurado contra o dano que representa o pagamento de uma dívida de responsabilidade civil (art. 787 do Código Civil), o segurador pode evitar que o segurado tenha que realizar desembolso, pagando em seu lugar à vítima do dano, tendo em conta que o pagamento da indenização não necessita ocorrer de forma simultânea com a causa de que se deriva.

 

Trata-se, contudo, de faculdade do segurador, jamais obrigação legal ou dever contratual, porquanto essa espécie de seguro se caracteriza por seu caráter indenizatório, de forma que a liberalidade não terá o condão de alterar a sua qualificação jurídica, calcada eminentemente no princípio indenitário.

 

  1. A reclamação do terceiro e a assunção da defesa pelo segurador

 

A reclamação por parte do terceiro prejudicado deve ser estimada como relevante, apesar de não se tratar, por si só, de dívida declarada de responsabilidade do segurado. A relevância da reclamação se justifica porque representa ameaça concreta de diminuição do patrimônio do segurado e, por consequência, do segurador, já que é ínsita no contrato com este último celebrado.

 

Para o cidadão normal, que não seja bacharel em direito, a simples reclamação, seja judicial ou extrajudicial, causa uma série de prejuízos mensuráveis economicamente (como é exemplo a perda de horas de trabalho, ocupação excessiva, stress gerado pela preocupação com a resolução do caso, etc.), que, indubitavelmente, constituem dano (interpretado este em sentido amplo) e afeta ao seu patrimônio, nascendo assim a pretensão de que seja solucionado pela companhia seguradora, fazendo valer a concepção tradicional e característica fundamental desse instituto que é o de sentir-se seguro.

 

Na premissa de que essa reclamação já constitui dano para o patrimônio do segurado, pode ser significativo para o segurador, do ponto de vista econômico, que a direção jurídica da defesa do segurado corra a seu cargo e sob o seu total comando neste tipo de seguro. Esta providência, que deve estar expressa nas condições contratuais – tenha-se em conta que é um preceito de direito dispositivo – tem a função precípua de favorecer o segurador, que deve proteger-se pessoalmente da reclamação, como também do segurado, eliminando os prejuízos porventura reclamados pelo terceiro.

 

Afinal, no seguro de responsabilidade civil, a determinação do dano não comporta interesses contrapostos entre segurado e segurador, como nos seguros de danos tradicionais, tanto que o legislador impõe ao segurado a obrigação de ter a anuência do segurador para transigir com o terceiro prejudicado (art. 787, 3º do Código Civil).

 

Por isso, o segurador deve dirigir e organizar toda a defesa do segurado frente à reclamação do terceiro, devendo o segurado prestar a colaboração necessária para seu sucesso.

 

  1. O risco no seguro de responsabilidade civil

 

Risco segurável é aquele que ameaça o interesse que, por sua vez, é segurável, é dizer, é a possibilidade de alguém sofrer dano em consequência da realização de determinado ato danoso. O risco compreende, portanto, de um lado, o acontecimento que é causa do dano,

e, de outro, o dano em si mesmo.

 

No seguro de responsabilidade civil o risco compreende os seguintes elementos:

 

  1. a) o fato de incorrer real ou remotamente em responsabilidade civil;
  2. b) a reclamação do terceiro;
  3. c) a declaração de responsabilidade civil correspondente; e
  4. d) as consequências econômicas derivadas desses elementos.

 

  1. O sinistro no seguro de RC

 

Conceitualmente, podemos dizer que sinistro é a realização do risco previsto no contrato de seguro, e, em princípio, gera a obrigação de indenizar do segurador.

 

No seguro de responsabilidade civil o sinistro não se identifica com um único fato, constitui-se por um conjunto de fatos complexos que compreenderiam vários momentos (fundamentalmente fatos danosos e a reclamação do terceiro), sendo necessário determinar qual o fato relevante a caracterizar a obrigação de indenizar do segurado e, em consequência, o sinistro propriamente.6

 

A solução do tema ligado ao sinistro nos seguros de responsabilidade vem determinada pela concepção do contrato de seguro como contrato de trato sucessivo. Na medida em que uma das características naturais do contrato de seguro é o fato de que o segurado pretende permanecer segurado, é dizer, estar seguro, as obrigações no contrato não surgem no momento em que ocorre o sinistro, mas por meio do mesmo surgirá o direito a indenização que deve pagar o segurador, e, portanto, de forma correlativa, a sua obrigação contratual.

 

Mas esta é só uma parte, ainda que seja a fundamental, das obrigações do segurador. Há outras obrigações, que no caso do seguro de responsabilidade civil podem ser observadas claramente, e se correspondem com essa situação desejada pelo segurado de estar seguro, como é a assunção da defesa jurídica.

 

Por outro lado, a teor do artigo 787, § 1º, do Código Civil, tão logo saiba o segurado das consequências de ato seu, suscetível de lhe acarretar a responsabilidade incluída na garantia, comunicará o fato ao segurador. Trata-se de obrigação positiva, porém, sem sanção expressa para a hipótese de seu descumprimento. Todavia, se a ausência de aviso do segurado acarretar prejuízo ao segurador, poderá ser invocado o artigo 771, do mesmo código, a fundar a perda do direito à indenização.

 

  1. Definição de interesse no seguro de RC

 

O interesse se define geralmente pela relação econômica de uma pessoa com certo bem. Quando essa relação se vê lesionada o interessado sofre o correspondente dano. Logo, não pode haver dano sem a prévia existência de interesse e o seu valor será o dano máximo que pode sofrer o interessado. Nos seguros de dano o interesse é decisivo para sua celebração. Se faltar, não haverá risco e, sem risco, não há seguro.

 

O que se protege no seguro de responsabilidade civil é a relação do segurado com o seu patrimônio ativo, já que este pode resultar afetado no caso do risco se realizar.

 

  1. O princípio indenitário no seguro de RC

 

A teor do art. 787 pode-se dizer que o seguro de responsabilidade civil tem caráter preventivo, ou seja, tem por objeto evitar o dano ao segurado. Nos seguros preventivos, como o ora em estudo, o princípio indenitário se manifesta de forma distinta dos seguros de danos clássicos.

 

No entanto, para ser acionado o seguro de responsabilidade civil é fundamental que o terceiro receba a correspondente indenização paga pelo segurado. Mesmo que o segurador pague diretamente ao terceiro, caso queira, o seguro de responsabilidade civil consistirá na mesma finalidade de todo seguro de dano – proteger o segurado frente a possível prejuízo

–, na forma mais ampla, como é a de evitar que um dano ocorra no patrimônio do segurado,

sem que isto suponha a quebra do princípio indenitário.

 

  1. Delimitação temporal

 

Tradicionalmente, a causa geradora da responsabilidade deverá ocorrer durante a vigência do contrato de seguro para tornar- se coberto. Em nossos dias somos testemunhas de eventos geradores de danos de caráter instantâneo nos quais a causa, o fato e o dano, ocorrem quase simultaneamente no tempo (queda de um avião, acidente automobilístico, etc.).

 

Mas há eventos nos quais se sucedem uma série de situações de ordem temporal que podem durar muitos anos, a saber:

 

  • Momento da causa geradora do dano. Corresponde ao momento em que se realiza a ação por parte do agente, ação que finalmente produzirá o dano (por exemplo: a fabricação de um produto, a construção de um edifício, o exercício de atividade profissional, etc.);

 

  • Momento da exposição. Em certas ocasiões a causa não gera dano imediatamente, mas será necessário que a vítima esteja exposta a ele durante o período que se denomina normalmente de latência. Tal é o caso da exposição ao asbesto ou ao consumo de medicamentos defeituosos;

 

  • Momento de manifestação. É aquele no qual o dano aflora afetando a integridade física ou o patrimônio da vítima do dano. É, por exemplo, o momento em que se diagnostica a enfermidade, ou em que se paralisa certa construção. Tem ocorrido casos nos quais entre o momento da causa e o momento da manifestação do dano transcorreram-se mais de vinte anos, durante os quais o responsável contratou múltiplas apólices de seguro com distintas companhias, fato que mostra a grande dificuldade de estabelecer a escolha correta do contrato de seguro que dará cobertura ao dano.

 

De qualquer forma e independente da reclamação ocorrer dentro do período segurado, tão logo o segurador seja informado pelo segurado de ato seu capaz de acarretar responsabilidade, fica obrigado a evitar o dano correspondente ao segurado (Ref.: § 1º, do art. 787 do Código Civil). A verdade é que o sistema de ocorrência é aplicável sem maiores problemas para os danos instantâneos, dado que é fácil identificar o momento específico de configuração do sinistro e a respectiva apólice. Nos eventos de manifestação tardia a solução é distinta, por existir períodos de latência, ou quando, tratando-se de danos instantâneos, a vítima reclama muito tempo depois da ocorrência dos fatos, circunstância cuja extensão é definida pelo término da prescrição da responsabilidade civil específica definida em lei. É a prescrição na responsabilidade civil um dos elementos mais relevantes na busca dos potenciais responsáveis e, obviamente, dos seguradores.

 

  1. O sistema claims made

 

Em razão da situação descrita no item anterior, foram desenvolvidas cláusulas contratuais específicas que delimitam temporalmente o risco no seguro de responsabilidade civil, referidas expressamente na Circular SUSEP nº 336/2007 e conhecidas como claims made.7

O sistema de cláusula denominada claims made geralmente é utilizado quando se intenta garantir determinados riscos caracterizados por período longo de latência (como ocorre com a responsabilidade civil profissional, por determinados produtos ou serviços, etc.). Essa sistemática modificou o critério clássico de imputação do fato gerador de responsabilidade civil a partir da ocorrência do ato, para o da apresentação da reclamação (pelo terceiro). Além disso, a referida cláusula trabalha, por vezes, com certo descasamento entre os prazos de cobertura e os de prescrição, com o primeiro menor do que o segundo.

Fundamentalmente, estas cláusulas estabelecem que não estejam compreendidas no seguro de responsabilidade civil as hipóteses nas quais tendo ocorrido o ato danoso dentro do período segurado, a reclamação do terceiro tenha lugar transcorrido certo prazo, a contar da extinção do contrato de seguro e seu prazo suplementar.

Para Ricardo Bechara8, a cláusula do tipo claims made objetiva a “cobertura para danos que, afl orando ao conhecimento do segurado e ou emergindo mesmo no período de vigência do contrato, constituem efeito imprevisto de causas ou fatos preexistentes. A claims made fora idealizada para as hipóteses em que o segurado ignore a ‘incubação de um sinistro’ e daí se veja privado da cobertura tradicional à base de ocorrência.”

 

Este tipo de cláusula supõe a delimitação válida do risco coberto justificada pela finalidade de evitar:

 

  1. a) que a companhia permaneça demasiado tempo na incerteza com respeito à possibilidade de cobrir as consequências de eventual responsabilidade do segurado; e

 

  1. b) possíveis casos de transações espúrias entre segurado e vítima, tendo em vista que reclamações excessivamente tardias obedecem frequentemente a essas situações;

 

Se tivermos presente que o sinistro é a concretização do risco coberto pelo seguro, devemos concluir que a cláusula claims made, ao exigir que a reclamação se efetue em determinado prazo, para que opere o amparo do seguro de responsabilidade civil, realiza verdadeira delimitação temporal do risco e, consequentemente, da responsabilidade do segurador. Disso, aliás, depende o seu equilíbrio econômico, pois se o valor do prêmio é estabelecido com base nos cálculos estatísticos e atuariais, segue-se, como consequência lógica, que é essencial o acordo das partes sobre a extensão dos riscos e os limites da indenização. Qualquer alteração nessa equação importa quebra do equilíbrio contratual.

 

  1. Delimitação geográfica

 

É comum o seguro de responsabilidade civil garantir apenas aqueles atos nos quais o dano se produza em determinado território que, normalmente, se restringe ao país no qual se contrata. No Brasil, todavia, é possível pactuar-se a extensão da garantia a danos causados em outros territórios mediante o correspondente aumento de prêmio, a teor do art. 17, da Circular SUSEP nº 256/2004.

 

  1. Atos de disposição do segurado sobre o crédito

 

A natureza do crédito do segurado de responsabilidade civil não lhe permite a cessão a outras pessoas distintas do terceiro prejudicado (vítima). A única exceção se dá em caso de sub-rogação válida, na qual o terceiro venha a ceder a outros o seu crédito. De qualquer

sorte, este ato não legitima o sub-rogado a acionar ao segurador, com quem não contratou,

mas sim ao segurado.

 

A dívida do segurado frente ao terceiro pode ser extinta pelo instituto da compensação de crédito, em havendo dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis (Ref.: Art. 1.010, do Código Civil). De qualquer forma, nessas situações o segurado sofre um dano, porque a compensação sempre se dará pelo sacrifício de um direito de crédito líquido e certo. Portanto, o segurador de responsabilidade civil deve cumprir a sua obrigação indenizatória relativa ao dano sofrido por seu segurado.

 

  1. Deveres básicos do segurado de RC

O segurado tem, fundamentalmente, o dever de:

  • Comunicar ao segurador, imediatamente, todo ato capaz de acarretar responsabilidade

coberta pela garantia do seguro (Ref. § 1º, do Art. 787, do Código Civil);

  • Promover atos de defesa da ação judicial intentada pelo terceiro prejudicado (Ref. § 2º, do Art. 787, do Código Civil);
  • Solicitar anuência expressa do segurador para transigir com o terceiro ou indenizá-lo diretamente (Ref. § 2º, do Art. 787, do Código Civil). Destaque-se a ação penal e o acordo intentado nos seguros de RC automóvel;
  • Dar imediata ciência da lide ao segurador, após citado (Ref. § 2º, do Art. 787, do Código Civil);
  • Minorar as consequências derivadas do fato danoso para o terceiro (Ref. Art. 779, do Código Civil).

 

  1. Necessidade de intervenção do segurador nos acordos com terceiros

 

No seguro de responsabilidade civil, segundo o disposto no § 2º, do art. 788, do Código Civil, é defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador. Significa dizer que o segurado está proibido de transigir com o terceiro, em especial de reconhecer a sua responsabilidade, sem a anuência expressa do segurador. Esta restrição visa possibilitar ao segurador o direito de ingressar com eventual ação judicial para promover o regresso do que pagou. Até porque, o segurado, transigindo,

renuncia ou desiste de alegações que poderiam ser feitas pelo segurador.

 

  1. Início do curso da prescrição no seguro de responsabilidade civil

 

Trata-se de tema dos mais controvertidos na doutrina e na jurisprudência nos últimos anos, até encontrar solução legal transparente. Segundo o disposto no artigo 787, § 3º, do Código Civil, intentada a ação contra o segurado, dará esta ciência da lide ao segurador. Vale notar que essa comunicação é no momento da citação, pois a teor do artigo 206, inciso II, “a”, é desse instante que tem início o prazo prescricional, entre ambos, em seguro de responsabilidade civil, vejamos:

Artigo 206

Art. 206 – Prescreve:

  • 1º – em um ano:

I – omissis;

II – a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:

para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador.

 

  1. Conclusão

 

Podemos asseverar, em comentários finais, que o seguro de responsabilidade civil apresenta-se como modalidade contemporânea de garantia de cobertura aos efeitos econômicos do dano no patrimônio do segurado, por ato praticado pelo segurado em prejuízo de terceiros, que desafia, para seu sucesso, a criatividade e agilidade do segurador na atuação e defesa dos interesses de seu cliente em face do terceiro (vítima do dano), porquanto a sorte de ambos encontra-se intimamente ligada a atuação conjunta e eficiente dos reguladores de sinistros e, fundamentalmente, dos advogados contratados.

 

 

1 In. Curso de Direito Civil Brasileiro, SP, 2003, 17ª ed., p.36

2 Gonçalves, Carlos Alberto. Responsabilidade Civil. Saraiva, SP, 2002, 7ª ed.

3 para o Ministro José Augusto Delgado, o seguro de responsabilidade civil “faz parte dos seguros contra danos, abrindo ao segurado possibilidade para proteger os seus bens contra os riscos que os ameaçam. ” In, Comentários ao Novo Código Civil, Rio, Forense, 2004, volume xi,tomo I, p. 561

4 Rui Stoco, Tratado de Responsabilidade Civil, 5ª ed., RT, p. 524

5 Em sua obra “Seguros para riscos ambientais”, Editora Revista dos Tribunais, 2005, SP, páginas 600 e 601, Walter Polido apresenta algumas reflexões decisivas sobre essa modalidade de seguro, vejamos: “O mercado segurador brasileiro opera com seguros de riscos ambientais há mais de vinte anos, porém de maneira bastante incipiente. Todos os conceitos até então utilizados precisam ser revistos e atualizados.” (p. 600) “São poucas as iniciativas realizadas pelo mercado de seguros brasileiro no segmento de riscos ambientais, até o momento”. (p. 601) “O seguro de riscos ambientais jamais terá o condão de resolver integralmente todos os problemas inerentes à área ambiental, no Brasil e no mundo.”

6 O Prof. Fenando Sánchez Calero, seguindo a doutrina geral da responsabilidade civil no direito espanhol, entende que o nascimento da dívida, cuja causa é o fato danoso, é o que determina o sinistro neste tipo de seguro. In, “La delimitación temporal del riesgo em el seguro de responsabilidade civil tras la modificación del artículo 73 de la Ley de contrato de seguro”; Revista Española de Seguros, nº 89, 1997, p. 14

7 Claims made, em tradução literal, outra coisa não seria senão “reclamação (ou reivindicação”) feita”.

8 In, Direito de Seguro no Novo Código Civil e Legislação Própria, Rio, Forense, 2006, p. 527

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