ESCROW ACCOUNT PÚBLICA
Por Fabrício Verdolin de Carvalho
Advogado Sócio na Pellon & Verdolin – Sociedade de Advogados
Recentemente eu li uma matéria tratando das Contas Escrow e o tema chamou a atenção para algumas anotações, as quais compartilho aqui.
É um tema recente aqui no nosso país se consideramos que a Lei nº 14.711 é de 2023, ordenamento este conhecido como Marco Legal das Garantias que trouxe uma inovação importante ao sistema jurídico brasileiro ao instituir a escrow account pública, também chamada de conta notarial.
Essa conta é uma evolução das chamadas contas vinculadas, já utilizadas em diversas operações, como: Fusões e aquisições (M&A); Negócios imobiliários; Operações no mercado de capitais; Contratos com pagamentos condicionados, entre outras.
Este mecanismo já era utilizado em outros países, aqui essas contas eram conhecidas por vários nomes: conta-caução, conta fiduciária, conta para centralização de recebíveis, entre outros. Todas elas tinham o mesmo objetivo: guardar valores de forma segura até que certas condições contratuais fossem cumpridas.
O que é Escrow e como funciona? Escrow é um mecanismo de proteção financeira usado para garantir que uma transação entre duas partes ocorra de forma segura e justa. Ele envolve um terceiro neutro, chamado de agente de custódia, que mantém os fundos ou ativos em segurança até que todas as condições do acordo sejam cumpridas.
Como funciona o processo de escrow?
Acordo entre as partes: Comprador e vendedor (ou outras partes envolvidas) decidem utilizar um serviço de escrow para garantir a segurança da transação, vejamos situações práticas:
- Depósito dos fundos ou ativos: A parte responsável pelo pagamento deposita o valor ou os ativos na conta escrow, que é controlada pelo agente de custódia.
- Verificação das condições: O agente de custódia mantém os recursos em segurança até que todas as condições previamente acordadas sejam atendidas por ambas as partes.
- Liberação dos recursos: Assim que as condições forem cumpridas, o agente libera os fundos ou ativos para a parte correspondente.
Onde o escrow pode ser utilizado?
- Compra e venda de imóveis: O comprador deposita o valor na conta escrow, e o dinheiro só é liberado ao vendedor após a transferência legal da propriedade.
- Comércio eletrônico: O comprador paga via escrow, e o valor só é repassado ao vendedor após a entrega e confirmação de que o produto chegou conforme o combinado.
- Licenciamento de software: O código-fonte pode ser mantido em escrow até que o licenciado cumpra todas as obrigações contratuais.
Exemplos de benefícios:
- Segurança: Garante que nenhuma das partes sofra prejuízo caso a outra não cumpra o combinado.
- Transparência: Todas as etapas da transação são claras e monitoradas.
- Redução de riscos: Ideal para transações de alto valor ou entre partes em diferentes países.
- Confiabilidade: A presença de um terceiro neutro aumenta a confiança entre os envolvidos.
O que muda com a avento desta lei?
Antes da nova legislação, essas contas eram privadas, geralmente administradas por bancos ou fintechs. O problema é que os valores depositados não eram juridicamente protegidos — ou seja, podiam ser penhorados ou bloqueados por dívidas do depositante, mesmo que estivessem reservados para outra parte.
Com a escrow pública, agora gerida por tabeliães de notas, a lei garante que os valores depositados:
- Ficam juridicamente segregados do patrimônio das partes envolvidas e do próprio cartório;
- Não podem ser penhorados por dívidas alheias ao negócio;
- Só podem ser movimentados conforme as condições objetivas estabelecidas no contrato.
Essa conta notarial é respaldada por fé pública, auditabilidade e rastreabilidade digital, o que traz mais segurança jurídica e transparência para as partes envolvidas
Por que isso é importante?
A nova estrutura: reduz riscos de inadimplência e litígios; evita bloqueios indevidos de valores; facilita o acesso ao crédito, pois aumenta a confiança nas garantias contratuais; profissionaliza e institucionaliza a gestão de valores em negócios complexos.
Imagine uma negociação importante — como a compra de um imóvel, a venda de uma empresa ou um contrato de prestação de serviços de alto valor. Em situações assim, é comum que uma das partes queira garantir que a outra só receba o pagamento depois de cumprir o que foi combinado. É aí que entra a Conta Escrow, uma ferramenta que traz mais segurança e previsibilidade para esse tipo de transação.
O dinheiro fica “guardado” até que certas condições sejam cumpridas. Por exemplo: se Maria está vendendo sua empresa para João por R$ 1 milhão, João pode depositar esse valor em uma Conta Escrow. O dinheiro só será liberado para Maria quando for comprovado que a transferência da empresa foi feita corretamente.
Essa estrutura protege os dois lados, vejamos: De um lado, o comprador tem a garantia de que o valor só será entregue se tudo for feito conforme o combinado. Do outro, o vendedor sabe que o dinheiro já está reservado e não depende mais da boa vontade do comprador.
O problema das contas privadas: Até pouco tempo, essas contas eram geridas por bancos ou empresas privadas. O problema? O dinheiro depositado continuava legalmente vinculado ao patrimônio do depositante. Isso significa que, se ele tivesse dívidas ou pendências judiciais, o valor poderia ser bloqueado — mesmo que estivesse reservado para outra pessoa. Além disso, a liberação dos recursos dependia do acordo entre as partes, o que abria espaço para conflitos e até chantagens.
A inovação da Conta Escrow pública: Com a nova legislação brasileira (Lei nº 14.711/2023), surgiu uma alternativa mais segura: a Conta Notarial, uma espécie de Conta Escrow pública, gerida por tabeliães de notas. A grande diferença é que os valores depositados nessa conta são considerados patrimônio segregado — ou seja, não podem ser usados para pagar dívidas ou ser bloqueados por decisões judiciais que não tenham relação com o negócio em questão.
Além disso, o tabelião atua como um agente neutro, responsável por verificar se as condições do contrato foram cumpridas. Se houver divergência, ele não decide quem tem razão, mas documenta o impasse e mantém o dinheiro bloqueado até que haja uma solução judicial ou arbitral.
Limitações e cuidados: Apesar dos avanços, o modelo ainda tem desafios. Por exemplo, o prazo máximo para manter os valores na conta é de 180 dias (prorrogáveis por mais 180), o que pode ser curto para operações mais complexas. Além disso, a assinatura dos contratos precisa ser feita por meio da plataforma digital dos cartórios (e-Notariado), o que pode dificultar o uso por estrangeiros ou pessoas com pouca familiaridade com tecnologia.
Como se pode ver, este instrumento de agente de custódia público representa muito mais do que a introdução de um novo serviço.
Por isso estamos diante de uma transformação institucional de grande impacto, que consolida o papel do notariado como elemento central na promoção da segurança jurídica, da eficiência nas relações econômicas e da redução da judicialização no Brasil.
Ao substituir de forma definitiva as vulnerabilidades inerentes ao modelo privado de escrow, a conta notarial vinculada surge como uma solução pública confiável, sustentada pela fé pública notarial, pela rastreabilidade digital, pela transparência dos atos e pela força legal da segregação patrimonial.
Mais do que uma inovação operacional, trata-se de uma mudança estrutural que eleva o direito contratual brasileiro a um novo nível de maturidade institucional, estabilidade econômica e alinhamento com os padrões internacionais de governança e desenvolvimento sustentável, com isso ganha o mercado e as relações jurídicas empresariais.
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