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agosto/2021 | Publicado por: Natalia Matos dos Santos

O USO DA CLOROQUINA E OS REFLEXOS NO SEGURO RC PROFISSIONAL DA ÁREA DA SAÚDE (MEDMAL)

Diante do cenário pandêmico enfrentado pelo mundo, o novo Coronavírus tem sido tema de constantes debates em todas as esferas que foram atingidas pelos reflexos da contaminação em massa. As mudanças que se fizeram necessárias trouxeram diversos impactos no dia a dia das pessoas e com elas, a necessidade de adequação em cada uma dessas esferas.

Em breve síntese, a Covid-19 é uma doença infecciosa causada pelo vírus zoonótico SARS-CoV-2 (sigla do inglês Severe Acute Respiratory Syndrome CoronaVirus), com altíssima taxa de transmissibilidade, que ficou popularmente conhecida com a denominação segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e que foi inicialmente identificada em dezembro de 2019, na China. A doença afeta principalmente o trato respiratório e em casos severos, causa sequelas permanentes no aparelho respiratório e nas funções cognitivas ou até, o óbito da pessoa infectada.

Neste sentido, diversos países já avançaram com o desenvolvimento das vacinas, que por sua vez, são respostas imunológicas para combater organismos causadores de doenças, produzindo assim, a chamada imunização de grupo. Por consequência, quanto maior o número de pessoas imunizadas, menor a probabilidade de pessoas não vacinadas ficarem expostas aos organismos infecciosos.

Contudo, outras formas de combate à doença têm sido procuradas pelos profissionais da saúde e demais pesquisadores, visando acelerar o processo de imunização. Entre eles, está o tratamento à base de hidroxicloroquina e/ou cloroquina.

A cloroquina é um fármaco utlizado no tratamento contra doenças como a malária causada por parasitas, amebíase hepática, artrite reumatóide, lupus, sarcoidose e doenças oculares de fotossensibilidade, dentre outras. O medicamento começou a ser apontado como eficaz na redução da replicação viral após ser adicionado ao vírus original por um grupo de pesquisadores[1], que, atrelando a efetividade da cloroquina na replicação do vírus, demonstrou um resultado promissor nos pacientes que participaram dos estudos.

Entretanto, a Organização Mundial da Saúde concluiu que a cloroquina não funciona no tratamento contra a Covid-19, alertando, inclusive, que seu uso pode causar efeitos adversos nos pacientes, de acordo com a publicação na Revista Científica The BMJ[2]. Seu uso não é regulamentado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o tratamento específico do coronavírus, e a OMS emitiu uma Nota Informativa desaconselhando o seu uso sem prescrição médica, devendo somente ser mantida exclusivamente para indicações terapêuticas já aprovadas anteriormente.

Assim, entre a divulgação do estudo que recomendou o uso da cloroquina e a suspensão pela Anvisa para casos de infecção por coronavírus, diversos pacientes foram (e continuam a ser) tratados com expressa recomendação médica.  Neste ponto, o Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu seu Parecer através do Processo Consulta nº 08/2020 – Parecer CFM nº 04/2020[3], liberando o uso da cloroquina para tratamento em situações específicas, sem, contudo, recomendá-la. A decisão de prescrição deve ser compartilhada entre médico e paciente, resguardados os devidos esclarecimentos sobre efeitos colaterais, inexistência de embasamento cientifíco suficiente para aprovação perante os órgãos de vigilância sanitária e o obrigatório consentimento do paciente, conforme já se posicionou recentemente o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina[4].

No âmbito do Direito Securitário, especificamente no Seguro RC Medmal, as proporções de uma prescrição médica desta magnitude serão outras.

Sendo o objeto deste Seguro um ato danoso praticado pelo profissional de saúde (leia-se, médico) que acarrete prejuízo a terceiro, eventuais indenizações estarão amparadas pela cobertura securitária contratada, ressalvados os riscos expressamente excluídos do clausulado contratado e respeitados os aspectos temporais da Apólice.

Não obstante, há constante divulgação de que os clausulados emitidos em consonância com as disposições da Susep, excluem cobertura securitária para qualquer ato médico, procedimento ou técnica que: i) não seja reconhecida/autorizada pelas autoridades sanitárias ou pela ciência médica; ii) esteja em fase de testes; iii) seja considerado experimental; ou iv) que seja ilegal/proibido. As hipóteses supratranscritas embora não sejam cumulativas, abrangem em sua maioria os contextos de exclusão de amparo para os segurados do RC Profissional.

Logo, a prescrição da cloroquina para tratamento específico da Covid-19, configurará, presumivelmente na maioria dos casos, circunstância não abrangida pela cobertura securitária do Medmal em tela, retirando da Cia Seguradora a obrigação de indenização frente ao sinistro ocorrido.

No atual contexto, nos depararemos com a fragilidade do profissional de saúde que, ao prescrever um tratamento não reconhecido pela Anvisa, se vê amparado por uma possível excludente de responsabilidade civil, porém, eventualmente desamparado pelo Seguro contratado justamente para enfrentar situações de risco ante o exercício de sua atividade profissional, caso reste configurada sua responsabilidade civil no caso em concreto.

Neste ínterim, a discricionariedade do profissional para desempenhar suas funções poderia restar prejudicada em certas ocasiões, considerando o rol de exclusões constantes na Apólice de Seguro contratada.

Contudo, os princípios que regem as relações oriundas dos Contratos entre as partes também deverão ser preservados, valendo-se da técnica de interpretação da ponderação em eventual análise de mérito.

Por fim, aguardaremos o posicionamento do Judiciário frente às lides que serão firmadas neste sentido, de modo a permitir a correta adequação dos clausulados e os interesses das Cias Seguradoras às necessidades dos seus segurados e a boa-fé que regula as relações existentes entre as partes.

[1]Disponível em: https://www.sbn.org.br/profissional/sbn-cientifico/blog-cientifico/single-cientifica/news/hydroxychloroquine-and-azithromycin-as-treatment-of-covid-19-1/ Acesso em 20/05/2021.

[2] Disponível em: https://www.bmj.com/content/372/bmj.n526 . Acesso em 20/05/2021.

[3] Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2020/4. Acesso em 20/05/2021.

[4]TJSC- AC 5013944-89.2021.8.24.0038. Disponível em https://www.tjsc.jus.br/web/imprensa/-/uso-de-cloroquina-contra-covid-diz-juiz-e-decisao-consensual-entre-medico-e-paciente?inheritRedirect=true. Acesso em 20/05/2021

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