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abril/2025 | Publicado por:

Imposto Seletivo: autorização para bitributação e bis in idem?

Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, que instituiu a Reforma Tributária sobre o consumo no Brasil, surgiu um novo imposto federal com forte impacto no setor produtivo: o Imposto Seletivo (IS). Apresentado como um tributo voltado à desincentivação do consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, o IS suscita debates importantes quanto à sua natureza jurídica, à sua base de incidência e, sobretudo, à possibilidade de permitir práticas como a bitributação e o bis in idem — conceitos que tradicionalmente ferem os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da vedação ao confisco.

Neste artigo, analisa-se em profundidade os efeitos jurídicos e práticos do Imposto Seletivo, especialmente no contexto empresarial, explorando os limites que devem ser observados para evitar abusos na tributação e os reflexos da nova sistemática sobre a segurança jurídica e o planejamento tributário.

O que é o Imposto Seletivo?

Já discutimos anteriormente que o Imposto Seletivo é um tributo de competência federal instituído pela Reforma Tributária de 2023. De acordo com o texto da EC nº 132/2023, o IS tem como principal finalidade desestimular o consumo de bens e serviços considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente. Trata-se, portanto, de um tributo com função extrafiscal, ou seja, que visa mais à regulação de condutas do que à arrecadação de receitas públicas.

A incidência do IS deve recair sobre produtos como cigarros, bebidas alcoólicas, combustíveis fósseis e veículos de alto impacto ambiental. A definição dos bens e serviços sujeitos ao imposto, bem como as respectivas alíquotas, será regulamentada por lei complementar ainda a ser aprovada.

A complexidade surge, no entanto, quando se observa que o IS não substitui os tributos sobre consumo atualmente existentes, mas acumula-se com eles. Com a criação do IVA dual (CBS e IBS), o IS será um tributo adicional — o que levanta a discussão sobre sua compatibilidade com os princípios que regem o sistema constitucional tributário.

Bitributação e bis in idem: conceitos e distinções

Para compreender os riscos trazidos pelo Imposto Seletivo, é essencial distinguir os conceitos de bitributação e bis in idem, frequentemente confundidos, mas juridicamente distintos.

  • Bitributação ocorre quando dois entes federativos diferentes tributam o mesmo fato gerador, o que contraria o princípio da repartição de competências tributárias. Por exemplo, se um Estado e a União cobrassem simultaneamente tributos sobre a mesma operação de venda, teríamos uma bitributação.
  • Bis in idem, por sua vez, refere-se à cobrança de mais de um tributo, por um mesmo ente, sobre o mesmo fato gerador. Trata-se de uma duplicidade interna de tributação, que pode configurar violação à capacidade contributiva e ao princípio da razoabilidade.

No caso do IS, embora seja um imposto de competência federal, há preocupações de que sua incidência se sobreponha a outros tributos já existentes, como a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), gerando uma carga tributária excessiva sobre um mesmo produto ou serviço, o que poderia caracterizar o bis in idem.

Riscos práticos da sobreposição de tributos

A estruturação do sistema tributário com o novo Imposto Seletivo exige atenção especial por parte das empresas, sobretudo nos setores mais sensíveis, como o de bebidas, tabaco, combustíveis e automóveis.

Um dos principais pontos de alerta reside no fato de que o IS incidirá “por fora”, ou seja, será calculado sobre o preço final da operação, acrescido da CBS e do IBS, o que pode elevar significativamente a carga tributária total sobre determinados produtos. Isso cria um ambiente propício à oneração desproporcional do consumo de certos bens, especialmente quando somado ao IVA dual.

Além disso, a ausência, até o momento, de uma definição clara sobre a base de cálculo do IS, sobre as hipóteses de incidência, e sobre a possibilidade de cumulatividade com outras exações federais, abre margem para interpretações que podem permitir a duplicidade de tributação sobre o mesmo fato gerador, com efeitos práticos que comprometem a competitividade das empresas nacionais.

O IS viola princípios constitucionais?

O princípio da vedação ao confisco (art. 150, IV, da Constituição Federal) estabelece que os tributos não podem ter caráter confiscatório, ou seja, não podem ser tão elevados a ponto de inviabilizar o exercício de atividades econômicas. Com o IS sendo aplicado cumulativamente à CBS e ao IBS, e com incidência “por fora”, há receio de que sua instituição resulte em alíquotas efetivas extremamente elevadas, especialmente em produtos já sujeitos a carga elevada, como cigarros e bebidas alcoólicas.

Outro princípio vulnerado é o da capacidade contributiva, previsto no art. 145, § 1º da Constituição. Ao incidir de forma generalizada sobre determinados setores, o IS pode penalizar empresas sem levar em conta a efetiva capacidade de suportar o encargo, em especial as pequenas e médias empresas, que têm menor margem para diluir custos.

Ainda, o princípio da segurança jurídica impõe que o sistema tributário seja previsível, estável e transparente. A ausência de regulamentação clara sobre o IS e os riscos de sobreposição com outras contribuições podem levar a cenários de litígio tributário e insegurança quanto à correta interpretação da norma.

O papel do planejamento tributário e da assessoria jurídica

Diante da possibilidade de sobreposição tributária trazida pelo Imposto Seletivo, as empresas devem redobrar a atenção em seus processos de planejamento tributário, especialmente aquelas que atuam em setores potencialmente atingidos.

Será essencial:

  • Acompanhar a regulamentação da lei complementar que definirá os contornos do IS;
  • Reavaliar as estratégias de precificação e repasse de custos ao consumidor final;
  • Analisar cenários de impacto financeiro decorrente da cumulatividade do IS com a CBS e o IBS;
  • Identificar eventuais excessos que possam configurar bitributação ou bis in idem;
  • Preparar-se para possíveis questionamentos judiciais, com base nos princípios constitucionais tributários.

Conclusão

O Imposto Seletivo é uma inovação tributária que, embora bem-intencionada em termos de função extrafiscal, reacende velhos debates sobre a justiça tributária e os limites da atuação do Estado no campo fiscal. A possibilidade de bitributação e bis in idem não pode ser ignorada e deve ser cuidadosamente observada na regulamentação da nova sistemática.

Nesse cenário, o apoio de uma assessoria jurídica especializada é indispensável para garantir que as empresas cumpram suas obrigações tributárias sem comprometer a viabilidade econômica de seus negócios.

Se você deseja entender melhor os efeitos da Reforma Tributária e do Imposto Seletivo sobre sua operação empresarial, fale com nossa equipe. Estamos prontos para oferecer soluções jurídicas eficazes e seguras para o seu negócio.

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